Zeca Veloso expande a herança do clã em álbum que confirma expectativas autorais e expõe um cantor com alma
27/11/2025
(Foto: Reprodução) Zeca Veloso lança o primeiro álbum, 'Boas novas', com dez canções compostas entre 2018 e 2021
Elisa Maciel / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE ÁLBUM
Título: Boas novas
Artista: Zeca Veloso
Cotação: ★ ★ ★ ★ 1/2
♬ Zeca Veloso confirma expectativas e se afina com a dinastia no primeiro álbum, Boas novas. O elo com a família já é evocado pelo título do disco lançado às 12h de ontem, 26 de novembro, com dez músicas autorais compostas entre 2018 e 2021.
Boas novas remete a Boas vindas, o samba de roda à moda da Bahia que Caetano Veloso compôs em 1991 para o álbum Circuladô para saudar a chegada de Zeca, o filho então em gestação na barriga de Paula Lavigne. e nascido em 7 de março de 1992.
A música-título Boas novas é um cântico de aura celestial em que Zeca e o irmão e parceiro Tom Veloso – criador em 2020 da melodia que gerou a letra – celebram a vinda ao mundo de Benjamim, filho de Tom.
As cordas orquestradas por Jaques Morelenbaum – maestro fundamental na discografia do patriarca Caetano Veloso, de quem foi diretor musical, arranjador e violoncelista de 1991 a 2005 – reforçam a aura divinal e o elo do álbum de Zeca com a linhagem familiar.
O álbum Boas novas soa como desdobramento natural na trajetória musical de Zeca Veloso, revelado como cantor (capaz de falsetes lancinantes) e compositor com a canção Todo homem, uma das novidades do roteiro de Ofertório (2017 / 2019), show feito com o pai e os irmãos.
A força da dinastia e do D.N.A. se impõe em Salvador, música de atmosfera baiana (meio ijexá, com grande arranjo de sopros) cantada por Zeca com Caetano Veloso e com os irmãos Moreno Veloso e Tom Veloso. A composição remete a criações de Caetano nesse universo afro-baiano.
Com letra que versa sobre guerreiro que se mostra tão íntegro quanto vulnerável nas batalhas da vida, Salvador abre o álbum Boas novas com carga de espiritualidade que reverbera em faixas como Talvez menor, canção entoada por Zeca em falsete de tom angelical.
Zeca Veloso é evangélico e lê a Bíblia, mas não tenta converter ouvintes nas letras do álbum 'Boas novas'
Elisa Maciel / Divulgação
Zeca Veloso é evangélico, lê a Bíblia, exalta Jesus e manifesta publicamente o orgulho de ser cristão. Essa opção religiosa atravessa a criação de Boas novas, álbum produzido pelo próprio Zeca com time que inclui Luciano Oliveira (do duo eletrônico Twelves), Antonio Pedro Ferraz, Pretinho da Serrinha, Alexandre Kassin, Lucca Noacco, Lucas Nunes, Pepê Monnerat, Júlio Raposo, Pepê Santos e Uiliam Pimenta. Contudo, inexistem panfletos religiosos e tampouco tentativas de conversões ao longo das dez faixas.
Música que chegou a batizar shows feitos por Zeca no período de gravação do disco, iniciada em 2022, Desenho de animação é bonita balada bem cantada por Zeca sem uso do falsete. A melodia sugere romantismo, mas a letra vai pela linha da elegante crítica social à valorização pelo Brasil da cultura estrangeira em detrimento da produção nacional.
A faixa Desenho de animação foi produzida por Alexandre Kassin e orquestrada por Lucca Noacco, também regente das cordas que ornam e envolvem a balada bilíngue Carolina na mesma aura celestial da faixa-título Boas novas. Carolina tem versos em inglês e português escritos por Zeca Veloso com auxílio de Sylvio Fraga e Tadeu Bijos. Os versos são irmanados pelo falsete que remete por vezes ao canto de Tim Bernardes e ao legado dos castrati.
Máquina do Rio quebra o clima do álbum na sexta faixa e direciona Boas novas para som pop funk, com toque de samba, evocando as produções do arranjador e produtor musical Lincoln Olivetti (1954 – 2015), morto há dez anos. A faixa resulta bem azeitada do ponto de vista da produção, mas ligeiramente artificial, como se destoasse da alma do artista.
Na sequência, a valsa Tua voz, cantada em falsete e formatada como peça de câmara com arranjo de Jaques Morelenbaum na produção orquestrada por Zeca com Lucas Nunes, restaura a atmosfera dominante no álbum. No mesmo clima, A carta – enviada pelo dono do disco com o canto de Dora Morelenabum como segunda voz – parece reafirmar que essa é a essência de Zeca Veloso.
No entanto, Boas novas se espraia por outros universos e também pisa com elegância no terreirão do samba carioca em O sal desse chão, samba majestoso composto e cantado por Zeca com Xande de Pilares, amigo da família Veloso. Pretinho da Serrinha é coprodutor da faixa.
No arremate do álbum, vem a única música já previamente conhecida, Sopro do fole (2021), joia do seco do chão do sertão brasileiro lançada por Maria Bethânia no álbum Noturno (2021) e regravada por Zeca Veloso com versos adicionais em 2022.
A moderna moda de viola se afina com o cancioneiro do álbum Boas novas porque, além da voz cheia de alma de Zeca Veloso, há a centelha sublime da criação que apresenta Zeca Veloso como grande artista, tão discípulo quanto dissidente da obra gigante do pai, neste primeiro álbum autoral em que o filho do meio expande a nobre herança musical do clã Veloso.
Capa do álbum 'Boas novas', de Zeca Veloso
Elisa Maciel