Dorina reafirma a fé na vida e no samba em álbum bem assentado no território demarcado pela cantora há 30 anos
22/06/2025
(Foto: Reprodução) Dorina lança o décimo álbum, ‘É samba!’, na próxima sexta-feira, 27 de junho
Valéria Martins / Divulgação
Capa do álbum ‘É samba!’, de Dorina
Valéria Martins
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: É samba!
Artista: Dorina
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ Em 1995, ao gravar o primeiro álbum, a então debutante cantora carioca Dorina demarcou território já no título Eu canto samba. Trinta anos depois, a artista reafirma a ideologia e a fé no gênero no nome do décimo álbum, É samba!, no mundo a partir de sexta-feira, 27 de junho.
Adorina Guimarães Barros é nome respeitado nas rodas da cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), sobretudo as do subúrbio carioca, embora esse nome seja pouco conhecido do público por questões mercadológicas.
Gravado sob direção musical de Paulo Sete Cordas, o álbum É samba! flagra Dorina de pé no chão, como se levasse adiante o legado da antecessora Beth Carvalho (1946 – 2019), legado que também é dela, Dorina.
O universo de ambas as cantoras são os fundos dos quintais em que brotam joias como o inédito partido alto Pato novo, parceria de Alcino Correia (1948 – 2010), o Ratinho, com Abel Luiz e Aldir Blanc (1946 – 2020) apresentada por Dorina na abertura do disco.
“Pato novo / Não mergulha fundo / Lagartixa não é Jacaré / Toma cuidado, vagabundo / Que, sorte ou azar, é maré!”, alerta Dorina, dando voz a versos com a verve dos pagodes cariocas dos anos 1980.
Só que, no samba, “a tristeza que balança”, nem tudo é alegria. Caso encerrado (Luciano Bom Cabelo, Binho Sá e Júnior Dom) é samba que rima amor com dor em tons menores com um facho de luz e esperança na renovação do amor.
Samba de Serginho Meriti com Rodrigo Leite e Cocão, É vida que segue (Por que não?) (2021) também foca a dor com a esperança de dias melhores em versos motivacionais que, sob prisma social e não romântico, pregam a luta para vencer em universo desfavorável em que a violência e o álcool são presentes no cotidiano. O toque do bandolim de Nilze Carvalho reveste a gravação de lirismo.
Pescadora de pérolas do samba, Dorina nunca vai no óbvio na seara das regravações. Prova é a lembrança de Centro do coração (1995), samba lançado há 30 anos por Moacyr Luz, parceiro de dois bambas das letras, Aldir Blanc e Vitor Martins, nesta composição cujos versos mapeiam com ardor o Centro da cidade do Rio de Janeiro (RJ). O samba até então tinha sido gravado somente por Luz no álbum Vitória da ilusão (1995).
Na sequência, Força do samba (Suriel e Luiz Antonio Simas) cruza mares, vindo da África, e desagua na terra afro-brasileira para exaltar o gênero e os ancestrais que desbravaram terreiros Brasil afora.
A composição é inédita, assim como Cura de vó, parceria de Ana Costa com Manu da Cuíca, compositoras de samba que segue macio como um afago no peito, acarinhado pelo sopro do trombone de Marlon Sette e pelo coro de Fabiano Salek, Antônia Braga e Maira Martins, vozes recorrentes no disco. Dorina já é avó de duas netas, ambas nomeadas nos agradecimentos do álbum.
Com a mesma maciez e aura de cura, Tempo velho (Douglas Germano, 2019) evolui na cadência do ijexá, reminiscência do tempo pandêmico em que Dorina viveu na Bahia. Não por acaso, na costura do álbum, Tempo velho antecede Sabor da Bahia (André Cabeça), samba com o tempero delicioso do estado que deu ao Brasil o Recôncavo e a Salvador (BA) de todos os santos e orixás.
Em que pese o sincretismo geográfico de É samba!, álbum formatado sob direção artística de Dorina com Maury Cattermol, a artista é carioca da gema, uma “ativista do subúrbio” da cidade em que nasceu em 1964 no bairro do Irajá, como bem a caracteriza o educador e escritor Jessé Castilho no breve texto em que apresenta o disco É samba!. Tanto que o disco encerra com Copa camelô (Marquinhos de Oswaldo Cruz e Rogério Lessa, 2022), polaroide urbana da babel carioca.
“Sou funkeiro / Sou do samba, mandingueiro / O que achei neste terreiro / Não esperava encontrar / Sou carioca / Mas aqui também se tomba / Tem tiro, porrada e bomba / Rap para improvisar / Se a pele é preta / É mal vista, logo é morta / Mas a vida negra importa / Tô aqui para lutar”, se posiciona Dorina, rimando na batida do rap.
Sim, tem rap no disco dessa cantora guerreira! Mas Dorina é do samba e é no samba que reafirma a fé na vida e no gênero neste álbum bem assentado no território demarcado pela artista há 30 anos.
Dorina transita entre cadências do Rio de Janeiro e da Bahia no álbum ‘É samba!’, feito sob direção musical de Paulão Sete Cordas
Valéria Martins / Divulgação