Djavan grava música quase lançada por Michael Jackson: 'Ele parecia um passarinho assustado'
11/11/2025
(Foto: Reprodução) Djavan fala de encontro Michael Jackson, racismo e amor, em entrevista
Prestes a completar 50 anos de carreira, Djavan lança nesta terça-feira (11) seu 26º álbum de estúdio, “Improviso”. O artista sabe bem o peso de seu nome — um dos maiores da música brasileira —, mas diz que isso não faz diferença na hora de compor. O sofrimento é o mesmo de sempre, porque “compor é doloroso”.
“Fazer música não é uma coisa natural. Demanda esforço, uma concentração absurda. Você sofre porque, às vezes, acha que não vai conseguir”, afirma Djavan em entrevista ao g1. “Mas é esse desafio que faz com que compor seja uma coisa tão sedutora.”
“A composição é fruto de trabalho, ralação. Você tem que lutar para conseguir o que quer, sobretudo no começo. Quando você começa a compor, é muito difícil porque você não gosta de nada do que está fazendo. É horrível! Mas aí a coisa vai indo, engrenando. Quando você faz uma, duas músicas, pode até fazer dois, três discos.”
Apesar da ralação dolorosa — ou talvez por isso mesmo —, a composição virou quase um sinônimo de vitalidade para o cantor. “É natural que eu continue produzindo porque eu vivo disso. Não estou falando de questão material, mas psicológica. Tenho que compor porque isso me alegra, me dá felicidade e, principalmente, me mantém vivo.”
Com um álbum de inéditas a cada dois anos, Djavan conta que renova suas inspirações a partir de shows e viagens pelo mundo. “Toda aquela colheita deságua no disco. Coloco para fora tudo que absorvi das andanças por aí.”
Djavan mostra coerência e fidelidade ao próprio som na levada pop jazzy do single 'Um brinde'
Mar + Vin / Divulgação
Michael Jackson, um passarinho assustado
Dessa vez, a colheita desaguou em um álbum que, apesar do nome, foi produzido meticulosamente. Com 12 faixas, o disco mistura jazz, samba, R&B e poesia djavanesca.
Em “Pra Sempre”, o artista homenageia Michael Jackson. Embora a canção seja lançada só agora, sua produção começou em 1987, quando Djavan diz ter sido convidado para compor para “Bad” — um dos álbuns mais emblemáticos do rei do pop.
“Demorei para mandar a música. Não sei, não levei muito a fé [o convite]. Mas quando enviei, ele já estava mixando o disco”, explica o alagoano.
Ele conta que foi Quincy Jones quem o convidou. O americano era produtor do Michael e, além disso, trabalhava com Djavan. O brasileiro tinha ganhado destaque internacional em 1982, quando lançou “Luz”, álbum de hits como “Açaí”, “Sina” e “Samurai” — faixa que tem Stevie Wonder tocando gaita.
Além de convidar Djavan para “Bad”, Quincy promoveu um encontro entre os cantores. O alagoano conta que foi estranho. Michael “parecia um passarinho”, e o tempo todo aparentava estar “meio assustado”. Ainda assim, ele diz que foi ótimo estar com o rei do pop: “Nos recebeu com bastante naturalidade”.
Desde então, Djavan guardava aquela melodia que havia composto para “Bad”, mas não tinha planos para ela. “Meus filhos sempre ficaram instigando: ‘Grava, grava, grava’. Eu achava que isso não fazia sentido. Mas, agora, decidi gravar. Fiz a letra e gravei.”
Os versos de “Pra Sempre” pintam Michael Jackson como alguém imortal e “pendurado na nuvem, mas muito longe do céu”.
Djavan lança o álbum ‘Improviso’ na próxima terça-feira, 11 de novembro
Mar + Vin / Divulgação
Ir atrás do amor é um jazz
O novo álbum também homenageia Gal Costa, morta em 2022. Para celebrar a amiga, Djavan regrava “O Vento”, faixa que ele compôs ao lado de Ronaldo Bastos e, em 1987, foi gravada pela cantora em “Lua de Mel Como o Diabo Gosta”.
As letras de “Improviso” vão de guerra a amor. Por exemplo: em “Sonhar”, Djavan canta sobre destroços, morte e esperança, enquanto em “Um Brinde”, ele entoa que “ir atrás do amor é um jazz”.
O músico vê o amor como uma fonte de inspiração infinita para compositores. “É possível falar de amor sem se repetir, porque o amor é dinâmico. Ele é único. Sempre está se modificando.”
Voz de muita trilha de novela, Djavan é autor de alguns dos maiores sucessos românticos do Brasil. Em letras como “Oceano”, “Se” e “Eu te Devoro”, temos versos típicos de sua lírica — repleta de referências nacionais, pegada sinestésica e metáforas nem sempre mastigadas.
Essas e outras letras também renderam a ele uma fama de “compositor ‘no sense’ (sem sentido)”, o que Djavan sempre rebateu com firmeza. Agora, aos 76 anos, ele parece ligar menos para esse tipo de comentário.
“No início, eu me incomodava quando diziam que a minha música era difícil. Depois, pensei ‘adianta eu me incomodar?’ Eu não vou mudar nem 1 centímetro por causa disso. Parei de observar e ouvir. Sigo em frente do jeito que a minha intuição manda.”
O cantor define sua música como “não corriqueira” e diz que, por isso, sempre precisou se impor. “Eu não esmoreço nunca. Não é o que você dizer que vai guiar os meus passos. Só se eu quiser. Mas, em geral, nunca quis, porque eu sabia que era diferente. Toco diferente, canto diferente, componho diferente, escrevo diferente, arranjo diferente... Eu sempre acho que as pessoas vão pensar diferente de mim, e acabei tirando proveito disso.”
Djavan em 'Improviso'
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Mundo feito para os brancos
Djavan afirma ainda que a forma como ele é (ou deixa de ser) visto está diretamente atrelado às dinâmicas raciais do país.
“O negro é distinto em tudo que faz: no posicionamento político, no social, na maneira de ver o mundo”, diz. “Eu tenho que brigar duplamente para atingir os meus objetivos, então não posso ver as coisas do mesmo modo que um branco vê, porque ele vive em um mundo formatado para ele.”
“O negro precisa cavar, brigar, ter muita raça para conseguir chegar onde ele quer. Então, é óbvio que a gente não pode ver as coisas do mesmo modo.”
Ele menciona, então, a canção “Você é”, que lançou em 1998. Nela, canta sobre a conexão entre seus sonhos e o fato de ser um homem negro. "Escrevi ali que ‘sou um negro que almeja a mais’, porque não almejo simplesmente ser bem-sucedido", explica. "Quero muito mais, sempre quis."
"Em geral, o negro nunca quer ‘muito mais’ porque sabe que é muito difícil para ele. Agora, o conselho que eu dou é: não importa a sua cor, vá atrás do seu objetivo, brigue, lute até o fim, sem esmorecer. Você consegue."
O cantor Djavan em 'Improviso'
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Décadas e décadas de carreira
Ao analisar sua trajetória de quase 50 anos de carreira, o alagoano afirma querer continuar sempre produzindo e celebra a renovação de seu público. Ele conta que, cada vez mais, se depara com "pessoas de 12 anos se interessando" por sua música.
Para dialogar com fãs de gerações mais novas, ele aposta em estratégias como #ImproviseComDjavan, projeto em que convidou seu público para compor (e postar) a partir da melodia de "Um Brinde".
O artista conta que, agora, ele está preparando “A Voz, o Violão, a Música de Djavan”, turnê nacional que irá celebrar as cinco décadas de sua carreira — o início dos shows está marcado para maio de 2026.
"Acho que a grande volúpia que eu tenho é estar sempre fazendo música", afirma Djavan. "Como já disse aqui: é isso que me instiga."